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maio

“Larguei a escola pelo bar”: o drama dos jovens que lutam contra o alcoolismo

Publicado em Notícias Reflexão

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Fernanda*, 19, e Roberta*, 22, começaram a beber para curtir, mas se tornaram um dos 1,6% dos jovens brasileiros em idade escolar que fazem uso pesado do álcool.

Aos 13 anos de idade, Roberta não tinha muito o que fazer depois da aula no bairro onde morava, na extrema zona leste de São Paulo. O rolê favorito dela e dos amigos era matar o tempo em uma pista de skate que estava sempre vazia, e trocar ideia em tardes muito loucas regadas a pinga barata ou vinho de barril. “Não era o álcool em si, mas a situação. Queria estar com as pessoas, me desinibir”, ela lembra. “Era para ficar muito louca. Não interessava o que estava bebendo, podia ser gasolina. Não tinha nenhum pingo de moderação.”

A história de Roberta se repete todos os dias Brasil afora. Segundo o 6º Levantamento Nacional Sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio, divulgado em 2010 pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), os jovens bebem pela primeira vez, em média, aos 13 anos.De acordo com o Cebrid, os jovens brasileiros tem o primeiro contato com o álcool aos 13. O estudo dá conta que 60,5% dos adolescentes de 10 a 18 anos já consumiram bebida alcóolica pelo menos uma vez na vida e 1,6% já faz uso pesado, com mais de 30 vezes por mês. “Alcoolismo na adolescência não é comum, mas um excesso cada vez mais presente. E os jovens estão começando a beber mais cedo”, explica o Dr. Arthur Guerra, fundador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas, da Universidade de São Paulo.

Vítima de bullying na escola, Roberta usava o “goró” como uma escapatória, tanto do tédio como da timidez. “Você nunca é aceita em um ambiente, mas finalmente se sente parte do grupo. Então você quer estar por dentro. O álcool ajuda a perder o medo de socializar”, ela diz. De acordo com a Dra. Ana Cristina Fraia, este é o primeiro indício de uma relação problemática com a bebida. “Em vez de criar estratégias para se sair melhor em uma conversa, está começando a depender do álcool.”

Para Roberta, a situação se tornou mais evidente quando não conseguia nem desenvolver funções básicas do dia a dia sem estar alcoolizada. “Na escola eu matava aula com a turma para beber, mas, na faculdade, eu fazia isso sozinha. Não era mais uma questão social”, conta. A paulistana, hoje aos 22 anos e professora, transformou o álcool em refúgio, usado no início da vida adulta como calmante — e tudo por culpa de uma brincadeira com os amigos. Fernanda bebeu pela primeira vez em uma festa infantil.

O hábito começa em casa

Festa de criança, brigadeiro e bolo de chocolate na mesa, tubaína para as crianças e, para os adultos, uma cervejinha e uma caipirinha. Bem no centro do seio familiar, este ambiente não parece ser nocivo para um adolescente, mas de acordo com especialistas é aqui que eles bebem pela primeira vez. “O primeiro contato sempre se dá na própria casa, com os amigos e familiares. Chamamos isto de batismo”, afirma Arthur Guerra.

O primeiro “pt” (sigla para perda total, quando uma pessoa bebe a ponto de passar mal) de Fernanda, 19, de Santos, no litoral paulista, foi em uma festa em casa. “Minha mãe até tirou sarro quando eu estava vomitando”, lembra. A partir desse dia, ela começou a consumir álcool regularmente e a situação só se agravou, principalmente porque na mesma época ela perdeu o pai. “Calhou de eu começar a fazer amizade com uma galera mais ousada”, afirma.

Em vez de se restringirem aos fins de semana, as bebedeiras se tornaram frequentes. “Ficava de segunda a segunda no bar. Chegava em casa só para dormir para sair à noite”. Tendo a vida dividida entre o copo de cerveja e a cama, Fernanda não conseguia mais assistir às aulas do ensino médio. “Larguei a escola para ir ao bar. Não consegui terminar o colégio”, lamenta.

Em um dado momento, o álcool não era mais o bastante para a jovem. “Comecei a ter blecautes”, conta. “Bebia muito, fazia coisas ruins durante à noite e, no dia seguinte, não lembrava de nada. Então comecei a usar cocaína pra cortar o efeito e beber mais”. Depois de três anos de abuso do álcool, as consequências apareceram em um exame de rotina para a psicológa. “Aos 18 anos tive princípio de cirrose no fígado. Fiquei bastante assustada”.

O diagnóstico

De acordo com o Dr. Arthur Guerra, é difícil diagnosticar um adolescente como alcóolatra. “É preciso anos de consumo para causar dependência, abstinência”. Dra. Ana Cristina Fraia diz, ainda, que dar o diagnóstico pode fazer mais mal do que bem. “É muito cedo para rotularmos alguém com algo tão pesado.”

Apesar de não haver uma “rotulação”, alguns sinais esclarecem se o consumo de álcool de um adolescente é anormal. “Eles começam a ter perdas. Perde a namorada, os amigos, por causa da bebida”, diz Arthur Guerra. “Todo mundo bebe, mas ele mais do que os outros. Quando o álcool está sendo usado como uma muleta para superar dificuldades”.

Roberta tinha medo de falar sobre o assunto, mas só depois de procurar ajuda conseguiu aos poucos superar o problema

Roberta teve um “insight” por volta dos 18 anos de que o “hábito”, como ela fala, tinha ido além. “Quando estava chegando no bar onde eu sempre ia e o atendente já estava abrindo uma cerveja na minha mesa de sempre”, admite. Mas ela só foi ter a real dimensão da situação três anos depois, na terapia. “Há pouquíssimo tempo comecei a falar sobre.”

Fernanda, por sua vez, passou pelo susto no exame, porém a ficha só foi cair depois de responder um questionário para a terapeuta. “De 10 critérios, eu me identificava com 7 [para quem sofre com o alcoolismo]. Ela [a médica] me falava que eu poderia ser alcoólatra, mas eu não acreditava. Fiquei tão mal que, às 10h, saí do consultório, fui até o posto da esquina e comprei uma cerveja”, confessa a jovem.

O que os pais podem fazer?

Na casa de Roberta, nunca se falou sobre o assunto. “Até poderia falar com a minha mãe, ela me dá muita abertura, mas isto é uma coisa muito minha. Tenho até um pouco de vergonha de estar nesta situação de vulnerabilidade”. Com Fernanda, o caso foi oposto: “Contei para ela durante o almoço. Ela não ficou surpresa, ficou mais me consolando, mas ficou assustada. A gente não imagina que dá para ser alcoólatra com 18 anos.”

Ana Cristina Fraia aponta que a família é importante na hora de passar um exemplo do consumo consciente do álcool. “Bebida é coisa de adulto, não é de criança e nem de adolescente. Se vai beber na frente do filho, o faça de maneira controlada e em ocasiões sociais. Se o pai tiver um comportamento ruim, o filho vai imitar”, diz categoricamente.

A lei brasileira e os médicos defendem o consumo da substância apenas para maiores de 18 anos. “O cérebro do adolescente está em plena expansão e o álcool pode atrapalhar”, pontua Arthur Guerra. Mas são poucos os jovens que seguem à risca o regulamento, por isso, os parentes também têm o papel de conscientizar. “Se ele é orientado provavelmente não vai ter problema. É nocivo quando sai do controle. Precisa ensinar”, afirma Ana Cristina Fraia.

Recuperando o futuro

Passado o susto, as duas jovens optaram pelo mesmo caminho: deixar o hábito para trás. “Depois disso, o insight, não coloquei mais nenhuma gota de álcool na boca”, diz Roberta. “Fui parando aos poucos, então não senti abstinência. Desde o começo do ano não uso mais nenhuma substância”, se orgulha Fernanda.

Atualmente, a professora de São Paulo até consegue apreciar bebidas alcoólicas, principalmente cervejas importadas, as suas favoritas. “Mas sei que, se eu tivesse a predisposição, eu seria alcoólatra. Beber é um hábito o qual você consolida. Não precisa ter uma compulsão”, diz. O seu principal aliado é o auto-controle: “Aprendi que tenho que beber quando estou feliz, não quando preciso escapar da realidade.”

Namorando há um ano e meio, Fernanda está em plena recuperação, do alcoolismo e do futuro. No dia em que falou com a reportagem, a jovem estava indo se inscrever no supletivo. “Gostaria me formar em Arquitetura ou Engenharia.”

* Usamos nomes fictícios para resguardar a identidade das personagens.

Fonte: Mídia News

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