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A triste realidade das drogas na terceira idade
O comerciante D.B., 66 anos, de Rio Preto, faz parte de uma estatística crescente no mundo: pessoas com mais de 60 anos estão ingerindo cada dia mais bebidas alcoólicas e outras drogas. Apesar de já ter sido submetido a três cirurgias do coração e tomar medicamento de uso diário, ele garante que bebe pelo menos três cervejas e entre sete e oito doses de cachaça diariamente, e diz que não vê nenhum problema nisso.
Revisão bibliográfica divulgada pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), organização não governamental que se destaca como uma das principais fontes no Brasil sobre o tema, indica prevalência crescente de problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas entre idosos. O único cuidado que o comerciante diz tomar é um intervalo de dez horas entre o remédio e o álcool. “O médico não sabe que eu tomo todos os dias. Eu falei que tomo uma cervejinha às vezes”, admite à reportagem.
O assunto preocupa profissionais da área da saúde devido ao aumento observado no número de admissões em unidades de pronto-atendimento e busca por tratamento associados ao uso dessas substâncias. No entanto, faltam estudos científicos que avaliem esta questão de forma abrangente. Em Rio Preto, levantamento feito pelo Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS-AD) mostra que, em 2012, 144 homens com mais de 60 anos foram atendidos pelo uso de álcool e outros substâncias entorpecentes.
Isso corresponde a 4% do total de 3.560 atendimentos feitos pelo Centro no período. A prevalência maior é na faixa dos 60 a 64 anos e está relacionada ao uso do álcool: 64 casos. Outras 27 mulheres com mais de 60 também foram atendidas no período pelo uso de álcool e outras drogas, ou 2,6% dos 1.020 atendimentos. A maior parte delas, 17, também por álcool. De janeiro a julho de 2013, o Caps atendeu 55 homens com mais de 60 anos por uso de álcool e outras drogas. Foram 52 casos de alcoolismo, sendo 30 deles em pacientes entre os 60 e 64 anos. Nos sete primeiros meses do ano passado a maioria das mulheres com problema de alcoolismo tinha entre 70 e 74 anos.
De acordo com a gerente do CAPS – AD Vila Clementina, Helen Cristina dos Santos Santana, os idosos são minoria entre os pacientes e chegam levados pela família. “Eles são usuários há muito tempo e geralmente apresentam os primeiros sinais como enfraquecimento nos membros superiores e inferiores, demência e alguns com prejuízos neurológicos”, explica. Quando é seguido o plano terapêutico indicado, existe perspectiva de melhora.
‘Bebedores pesados’ correspondem a 12%
Dados epidemiológicos recentes sobre uso de álcool e outras substâncias entorpecentes na terceira idade (acima de 60 anos) foram analisados por pesquisadores do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP (NEP-IPqFMUSP), que publicaram uma revisão bibliográfica sobre o tema na revista Current Opinion in Psychiatry, na edição de julho de 2013. Com relação ao padrão de consumo do álcool, o termo “uso nocivo” ou “de risco” é empregado para indicar um padrão de utilização que expõe o sujeito a maior propensão a prejuízos físicos e psicológicos.
No Brasil, os dados de uma pesquisa nacional são preocupantes: 12% dos entrevistados com mais de 60 anos foram classificados como bebedores pesados (consumo de mais de 7 doses por semana), 10,4% como bebedores pesados episódicos (considerado por este estudo como o consumo de mais de 3 doses em uma única ocasião) e quase 3% foram diagnosticados como dependentes. Na revisão bibliográfica, verificou-se que o padrão “beber pesado episódico (BPE) e os transtornos relacionados ao álcool (abuso e dependência) em idosos estão mais associados ao sexo masculino e economicamente desfavorecidos.
Em paralelo, as idosas representam um subgrupo que merece atenção específica, já que para elas a progressão do uso à dependência tende a ocorrer mais rapidamente e as conse-quências adversas iniciam-se mais precocemente. Além disso, as idosas estão especialmente mais propensas que os homens a utilizar medicamentos de prescrição como tranquilizantes, analgésicos, sedativos, estimulantes e antidepressivos. “Nos idosos, o abuso de drogas é a terceira doença psiquiátrica mais comum, começando pela depressão, depois demência e drogas”, diz o psiquiatra Ururahy Botosi Barroso, presidente da Comunidade Terapêutica Felicidade, que cuida da recuperação de dependentes químicos.
Segundo ele, entre as principais causas, os chamados estressores psicossociais desencadeadoras do abuso de drogas, são a aposentadoria, a solidão, a viuvez, o isolamento social e alguma doença crônica. A aposentadoria normalmente leva a uma queda grande do nível de vida, e isso acaba gerando muita perturbação emocional. O uso por automedicação prolongada de benzodiazepínicos, tarjas pretas, também facilitam o abuso de drogas ilícitas.
Vulnerabilidade emocional
O tratamento para dependentes químicos segue o mesmo padrão, acrescido do cuidado aumentado junto ao idoso pela sua maior vulnerabilidade emocional, bem como medicações, pois normalmente existem doenças crônicas associadas. “Infelizmente, no nosso país, na cultura do capitalismo, é valorizado quem produz. Como o idoso é desvalorizado pela nossa sociedade, isso acaba facilitando o uso de drogas por eles, pois a dor emocional de solidão, de abandono, é muito alta.
Esquecemos que também seremos idosos, a não ser que morramos antes e que. lá na frente, sejamos vítimas daquilo que um dia alimentamos na idade jovem”, diz o psiquiatra Ururahy Botosi Barroso. Segundo ele, muitos procuram tratamento por causa de outras doenças que se agravam com o abuso das drogas. O resultado do tratamento entre idosos é mais delicado, pois eles são muito mais doentes e vulneráveis que os jovens, e o que é pior: muitos são abandonados pela família, pelo estado e pela sociedade.